Hip-hop e Uberlândia, uma complexa relação de amor no triângulo mineiro
- somdovinil
- 4 de mai.
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O maior movimento cultural do século XXI ainda encontra dificuldades para se consolidar em Uberlândia.
04/05/2025 - Escrito por: Calebe Dias, Eduardo Bessa e Gabriel Morais

O primeiro passo para se compreender a cena do Hip-hop em Uberlândia é entender que ele não é um gênero musical, mas sim um movimento cultural. O Hip-hop é constituído por quatros elementos, o DJ, o MC, o Break e o Grafite, cada um desses tem importância ímpar na construção da cultura. Inicialmente esses elementos não foram criados em correlação direta, contudo se relacionaram a partir da interação de seus agentes nos encontros em festas populares no Bronx. Mais tarde, a junção desses quatro elementos passou a ser o que conhecemos hoje como o Hip-hop.
O surgimento do Hip-hop como uma cultura unificada data dos anos 70 no Bronx em Nova York, quando os primeiros DJs começaram a organizar festas tocando apenas o instrumental das músicas de funk e soul da época. Os MCs começaram a rimar em cima das batidas e os elementos do que veio a se tornar o Hip-hop começaram a se conectar.
Já nos anos 80, o Hip-hop chega ao Brasil e muito por conta do sucesso nos EUA ele rapidamente se tornou conhecido no país. Contudo, sua consolidação vai acontecer somente nos anos 90, com o sucesso de músicos como MV Bill, Sabotage e é claro do maior sucesso na história do rap nacional, Racionais MC´s.
O Hip-hop não tarda a chegar em Uberlândia, ainda no século XX é possível ver as primeiras manifestações da cultura em terras mineiras, porém, diferentemente das metrópoles do país, não é a música que chega primeiro, mas sim o break, com os “Manos do Hip-Hop”. Ainda hoje o rap não conseguiu o mesmo espaço na cidade que outros movimentos do Hip-hop, como a dança e o Grafite.
Dentro do Hip-hop existem diversos pontos de vista da cultura, desde os pesquisadores aos artistas, por isso as visões de pessoas como Débora Costa, Saymon Black e Andrea Felix são fundamentais para compreender melhor o Hip-hop como cultura e os desafios de quem vive da cena na cidade.
O Hip-hop enquanto movimento cultural em Uberlândia
A mestre em comunicação e autora do e-book, “GER - Graffiti Escola nas Ruas”, Débora Costa Nunes compartilhou um pouco da sua trajetória com o Hip-Hop e a trajetória do próprio Hip-hop na cidade de Uberlândia.
Apesar de hoje ser mestre em tecnologias, comunicação e educação e se considerar uma “hip-hoper”, ela foi ter seu primeiro contato com o Hip-hop já adulta. “Eu nasci em Uberlândia, e o Hip-hop eu fui conhecer já adulta em São Paulo, com coletivos e manifestações culturais. E aí eu digo conhecer o Hip-hop porque eu não tinha essa ideia de união. Aqui a gente entendia o Hip-hop muito como dança e rap, aí quando eu participei em São Paulo do movimento Racha Cuca finalmente vi o que era o Hip-hop de verdade, um movimento engajado politicamente e socialmente, foi quando eu entendi essa potência de transformação do Hip-Hop”.
Para Costa Nunes o principal motivo para Uberlândia ainda hoje ter dificuldades de desenvolver os elementos do Hip-hop simultaneamente é o fato da cidade ser uma cidade de trânsito, e não um ponto final para os artistas. “ Grande parte dos agentes do hip-hop da cidade não nasceram aqui, eles vem de suas cidades e trazem suas vivências para compartilhar aqui. Por exemplo, no grafite, temos o Dequete que é uma referência, mas ele vem de fora também, de Belo Horizonte. Isso não significa que a cidade não tenha uma cena própria, apenas que ela se beneficia e também se prejudica por ser uma cidade de cruzo, de intersecção de vivências. Então pensar o Hip-hop é também pensar essas dimensões fragmentadas da própria cultura.”
Quando perguntada sobre o que achava que faltava para a cena de Uberlândia alcançar uma relevância nacional maior, ela foi clara: conexões. “O jogo da cultura só se faz em pares, por isso é importante esse diálogo do Hip-hop do triângulo mineiro com o que acontece em São Paulo, em Belo Horizonte, já que é nessa relação que o caldo engrossa e as pessoas se mobilizam e engajam. Em Uberlândia eu acho que ainda falta isso.”.
A autora também ressaltou a importância de um Hip-hop politicamente engajado, pois só assim é possível tirar o movimento de um espaço restrito e colocar na grande mídia. A cultura ainda hoje é extremamente estereotipada e periférica, na qual, pelo menos na cidade de Uberlândia, ela ainda encontra muitas dificuldades de furar a bolha e se consolidar. Por isso a importância de uma cultura engajada politicamente, para que esse poder de transformação que o Hip-hop carrega alcance seu potencial identitário.
A cena em Uberlândia para os músicos
Um cenário de Hip-hop despreparado não só é ruim para o público, como principalmente para os artistas, que enfrentam dificuldades em achar locais que estejam dispostos a ceder espaço para que compartilhem sua arte. Esse é o caso de Saymon Black, artista independente de rap e um dos precursores do Pagotrap no Brasil, mas que ainda hoje enfrenta dificuldades em crescer em Uberlândia.
“A cena pede ajuda, mas quando tem ajuda acaba fazendo totalmente o contrário do que estão pedindo.” Foi assim que o rapper descreveu a situação do rap em Uberlândia, muitos desses problemas passam pela falta de espaços para a apresentação dos artistas, já que segundo o músico, somente o bar Deboche costuma abrir as portas para os cantores da cidade, enquanto os outros estabelecimentos preferem dar espaço para estilos musicais mais populares, como o pagode e o sertanejo.
Assim como Débora Costa, Saymon acredita que o fato da cidade de Uberlândia ser uma cidade de trânsito afeta consideravelmente o desenvolvimento do estilo. “A cena é pequena ainda, mesmo Uberlândia tendo quase um milhão de habitantes. As pessoas que escutam o Hip-Hop preferem os grandes centros, como São Paulo, o Nordeste agora, BH. E as pessoas que estão aqui tem que fazer o conteúdo visando o público geral, de diversos estados, e não consegue focar muito em algo local.”.
Para se destacar em um ambiente muito competitivo, Saymon Black decidiu se aventurar em um novo estilo musical dentro do Hip-hop, o Pagotrap. Em um estilo que mistura o "pagodão" baiano com o funk e o trap, o músico traz suas raízes e inova, sendo o pioneiro de um estilo que hoje conta com grandes nomes, como BaianaSystem.
Apesar de todos os problemas que a cena local ainda enfrenta, o músico não pensa em parar, e já tem planos para novos projetos. “Vou lançar uma minissérie, contando a minha história e várias outras , chamada Saymon Black no Multiverso da Loucura, a data de lançamento está prevista para o dia seis de Junho e cada temporada vai ter em torno de seis episódios”. Ações como essas revitalizam a cultura do Hip-hop em Uberlândia permitindo que novos artistas apareçam e possam crescer dentro do triângulo mineiro, sem precisarem ir para os grandes centros.

UDI Hip-hop Festival: Um oásis no meio de um deserto de oportunidades
A cidade de Uberlândia ainda hoje é um ambiente muito hostil para os artistas de Hip-hop, a falta de uma cultura estabelecida, a dificuldade encontrar estabelecimentos que abram as portas e a remuneração baixa são alguns dos problemas que os artistas enfrentam. Por isso, eventos como o UDI Hip-hop Festival são um oásis no meio do deserto de oportunidades que é a cidade de Uberlândia.
O festival foi idealizado pela “Primeira dama da quebrada de Uberlândia”, Andrea Felix. Andrea possui mais de quatro décadas de carreira, das quais por 13 anos foi vocalista do grupo “Original C”, abrindo shows de grandes nomes da música brasileira como Racionais MCs e Tribo da Periferia. Nesses 40 anos de Hip-hop ela tem sido força motriz para o desenvolvimento da cena de Uberlândia, é uma das fundadoras do grupo, “das Minas Gerais do Hip-hop” (DMG), que tem como objetivo trazer mais mulheres para o movimento do Hip-hop, além de tratar de questões relacionadas ao feminismo e ao empoderamento feminino.
Mas com certeza sua principal contribuição para a cidade é o UDI Hip-Hop Festival, que em 2025 vai para sua terceira edição. O evento abre espaço para os artistas independentes da cidade mostrarem seus trabalhos, além de oferecer durante a semana uma experiência imersiva para o público, com oficinas de rima, canto, dança e discotecagem, integrando a população com os artistas.
A idealizadora do evento também destacou o fato dos artistas receberem premiações durante o festival, além de ressaltar a importância disto. “Esse ano, o primeiro lugar ganhou R$1.000, segundo lugar R$500, terceiro lugar R$300. Para esse artista independente, que nunca subiu no palco, que nunca teve, nenhuma dessas portas abertas em outros festivais, isso é muito importante, mesmo que seja levar R$300, porque foi lá e mostrou a sua arte para as pessoas.”

Hip-hop e Uberlândia, uma complexa relação de amor no triângulo mineiro
Ainda longe do ideal, a cena do Hip-hop em Uberlândia luta para se estabelecer como relevante no cenário nacional, mesmo enfrentando todos os tipo de dificuldades os agentes da cultura local vão aos poucos construindo um cenário sólido para os artistas e para o público da cidade, em um movimento que desafia todos as adversidades imaginárias.
Quando se passa a entender o Hip-hop como um movimento cultural, fica fácil perceber sua importância para a comunidade que está inserido dentro dele, artistas, produtores e público, todos participantes dessa complexa relação de amor no triângulo mineiro.




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